O movimento romântico

Decidi organizar um pouco a bagunça que é esse blog. Talvez começar a postar sobre um assunto por dia. Literatura, cinema, música, beleza, e não mais falar de tudo junto, que não tenho vibe de Latino - Tudo junto e misturado - eu sou muito mais chique que isso. Pode ser que essa atitude seja reflexo de eu finalmente estar organizando minha vida como um todo, demora mas a gente toma jeito. 

O primeiro assunto é o que eu mais gosto - na verdade eu nem sei mais se existe um assunto que eu goste mais do que todos os outros - eu gosto é de me expressar e contar sobre coisas boas. Então a primeira coisa boa a ser postada é sobre a leitura do livro O movimento romântico, de Alain de Botton. Primeiro fiquei sabendo da existência do livro eu nem me lembro mais como, sei que fui comprar e ele estava com as edições esgotadas em todas as livrarias desta minha cidade, que não é pequena. Decidi procurar em sebos, e em encontrei logo depois de alguns dias procurando. Acabada a busca, inicia-se a leitura. 

A personagem principal é Alice, com 23/24 ou 25 anos, além da idade, é bem parecida comigo na maneira como se relaciona com a mãe, com a irmã e com o amor. Ela é bem interrogativa, sempre instigando os outros a pensarem além das linhas do pensamento comum. Ela se relaciona com Eric, um cara frio e distante, mas que ela acredita piamente que gosta dela. (Será que me lembrei de mim há algum tempo atrás?) Sei que ela fica nesse relacionamento se doando ao máximo até conhecer Philip, um cara que gosta de coisas que ela gosta, que pede a opinião dela e a valoriza. Ela então começa a ficar distante no relacionamento com Eric, ele percebe e decide se doar um pouco. É tarde porque ela já não gosta mais dele. Então ela termina. E fica sozinha. Até encontrar Philip em um supermercado tempos depois do fim com Eric. Nesta ocasião ela e Philip decidem sair. Porém, Alice não aparece, ele fica com raiva e vai pra casa. Chega lá e está Alice a espera dele, lhe pedindo perdão dizendo-se assustada com tudo que estava sentindo. No fim decidem ficar juntos. (Confesso que eu espera um fim mais inovador, como todo o livro é, não sei ela podia se enjoar do homem perfeito, podia querer ficar sozinha, qualquer coisa menos o Happy End clássico). De qualquer forma, é uma história bem comum, contada de uma maneira bem diferente - o autor cita filosofia, e outras teorias. Os personagens podem ser facilmente encontrados nas esquinas brasileiras - a história se passa em Londres - é essa humanidade dos personagens fictícios que me atrai, mesmo que eles não sejam humanos tipo vampiros, e outras criaturas estranhas, ex: nerds! =D 

Seguem meus trechos favoritos do livro.

"Da mesma forma que o cinema lhe permitia livrar-se de uma sensação de isolamento, através da constatação de que "não sou a única a experimentar esta emoção, a ver esta rua, sentar neste café...", o amor lhe oferecia a esperança de encontrar alguém em cujos ouvidos pudesse sussurrar, "você também se sente da mesma forma? Que maravilha. É exatamente o que pensei quando..." - as dimensões de uma determinada alma, encontrando uma analogia suave com as de uma outra". (pág. 29)
"Alice disse à si própria e aos amigos que estava vivendo um "relacionamento maduro". É difícil dizer o que significava esta expressão. Mas sua definição refletia um preconceito de que um homem que recusa um convite para um cinema e reinvindica espaço é, de algum modo, mais maduro que um amante que considera cruel passar mais do que um instante longe do ser amado." (pág. 63)

"No amor o poder se traduz pela habilidade de não se deixar envolver. Alguém torna-se poderoso no terreno afetivo quando não dá ouvidos a uma frase gentil, desviando o assunto para a programação da tv. Ao contrário de outras esferas, o mais forte numa relação afetiva é aquele que não tem expectivas em relação ao outro, não deseja ou não precisa de nada. O amor tem como característica principal o envolvimento mútuo e a compreensão. Aquele que bloqueia o processo, mudando o rumo de uma conversa ou retornando uma ligação telefônica com duas horas de atraso, imediatamente e sem esforço exerce um poder assustador sobre o mais fraco, o mais confiável e mais carente". (pág. 139)

"Por mais agradável que fosse o entusiasmo do namorado, Alice não podia deixar de sentir uma ponta de mágoa ao constatar que Eric era sempre muito mais gentil com ela quando tudo corria bem. Nos seus momentos de fragilidade e carência afetiva, ela se ressentia da falta de interesse dele". (pág. 170)

"Alice identificava os pontos de tensão em seu relacionamento com Eric: se, por um lado, desejava ser o bebê dengoso, complexo, irracional e exigente, por outro, sabia que, para fazer pedurar a afeição do namorado, teria que bancar a mulher madura e responsável, atraente, sagaz e independente". (pág. 172)

"O desejo verdadeiro de Alice fosse o de encontrar espaço para expressar o que até então não tinha conseguido, ou seja: "me ame pelos meus medos, minhas inibições e neuroses, me ame pelo que sou quando não consigo lutar..." ". (pág. 174)
"Sabe qual é o seu problema, Alice? Você complica tudo. E pensa demais". (pág. 212)

"Alice amava para compensar suas próprias deficiências; ela procurava nos outros as qualidades que queria e respeitava, mas não possuía. Suas necessidades emocionais eram como quebra-cabeça incompleto sem as peças trazidas por outra pessoa, mas as dimensões da lacuna eram modificadas pelo autoconhecimento. Deste modo, uma peça que se encaixava quando tinha quinze anos não mais serviria quando chegasse aos trinta." (pág. 304)
"A dor provinha desses diferenciais de crescimento, da maneira pela qual duas pessoas que se encontram em uma fase compatível poderiam, com o tempo, descobrir que não estavam de fato tomando a mesma direção - a compatibilidade numa fase seria somente congruência fortuita ao longo de um caminho maior e divergente". (pág. 306)

"Necessidade de ter alguém que fosse gentil sem ser fraco, engraçado sem evitar a seriedade e respeitado por seu trabalho sem cobiçar apenas os sinais exteriores de sucesso. Alguém que fosse inteligente sem ser condenscendente. Um santo que não gritasse a despeito do número de tentativas que ela precissasse fazer para estacionar o carro". (pág. 307)

"Será que a declaração de amor não era simplesmente a reação reflexa de um homem ao perceber que passaria as noites sozinho e não teria ninguém para aguentar seu mau humor?" (pág. 301)

"Uma parte minha está tão ligada a ele - disse Alice a Suzy naquela tarde. - Mas sei que não é dele que sinto saudades na realidade. Que loucura!
- É do amor - suspirou a amiga." (pág. 311)


Via rápida


Eu não tenho mais medo de atravessar a rua. Eu mudei para um condomínio que fica numa via rápida, eu a atravesso todos os dias, várias vezes, fora da faixa, longe do sinal, e eu nem preciso mais sentir que tuas mãos estão comigo. Eu não olho para os dois lados, eu só tenho olhos pra você e cabeça para suas esquisitices. Eu vivia dizendo que eu queria alguém normal, até perceber que eu não sou tão normal quanto achei que fosse. Você é quem preenche minhas loucuras, a gente fica analisando a vida, o tempo, as despedidas das pessoas no shopping, os casais no cinema, as amigas no teatro, a gente sempre pensa coisas muito loucas a respeito dos outros, e a gente vive coisas esquisitas.

Eu revi com você filmes que tinha vista com quem já passou e tudo fez um sentido completamente diferente, eu nunca te deixaria como a menina do Apenas o fim. Se um dia eu te deixar aposto que vou escrever tanto sobre, até decidir ficar e terminar a nossa história com reticências. A gente adora praia no inverno e foge do sol para ficar sempre com a pele branquinha, e a gente gosta do contraste dos nossos cabelos pretos, das nossas olheiras porque passamos a noite procurando filmes independentes pra gente assistir. A gente lê junto, a gente interrompe a leitura um do outro para comentar a história alheia, como se não fôssemos trocar de história no final.

Eu não costumo te escrever, por trauma do passado, mas eu vivo você. Eu gosto da sua mania de nunca discordar absolutamente de mim e logo depois me provar que eu estava errada. Eu gosto do jeito delicado de você dizer que minhas paranóias vão além do que você pode suportar. Eu gosto quando você me chama, quando grita na minha janela pra abrir a porta do bloco, e o modo como isso não impede você de chegar à minha casa de surpresa e me ver enrolada num lençol colorido, e não rir disso, e achar isso normal e querer se enrolar comigo.

Eu adoro seu jeito estranho de escolher roupa, eu adoro suas roupas sempre azuis, brancas e pretas, eu adoro quando você admite que por mim vestiria até vermelho, no nosso casamento, que vai ser vermelho, preto e branco. Eu adoro você que se permite viver coisas e que me leva a viver outras tantas que jamais imaginei. Adoro sua disposição pra assistir filmes na Cinemateca, pra ver peças baseadas em autores que você nunca leu, para descobrir bandas “que eu vou adorar”, e eu gosto disso porque você me conhece tanto, porque somos tão iguais, porque somos dois, e quando a gente está junto a gente é um, e pede um café, e toma remédio para alergia, para ver se a gente acorda mais tarde, e fingimos que esquecemos aquele compromisso com teus primos.

Eu adoro quando você topa minhas loucuras, quando você me leva para casa, quando você me leva para casa e ainda me escreve perguntando se eu cheguei bem. Eu adoro como nunca esquece de me escrever, mesmo que eu não responda. Eu respondo bem baixinho, eu sussurro, eu me declaro em silêncio de noite, e você responde “eu te adoro também”. Eu me pergunto como você sabe, você diz que sabe interpretar os meus silêncios, os meus olhares, o meu não-sorriso. E você advinha quando eu quero ir embora dos lugares sem eu nunca precisar pedir. Você já decorou meu pedido naquele fast-food, e a gente pensa sempre igual, eu te compro uma revista, você me compra pó de café com hortelã. A gente vai pra casa experimentar o café e ler a revista, eu não preciso te pedir beijo na chuva, blusa pra me cobrir, toalha pra me secar, eu não preciso te pedir nada. 

Às vezes me pergunto com quantas será que você se envolveu antes de mim para desenvolver essa habilidade toda de adivinhar o que quer uma mulher? E você nunca me deu flores, e eu nunca falei de flores pra você. Eu não tenho mais medo de atravessar a calçada, de mudar nossos rótulos, eu não quero mais ser normal. Eu quero ser diferente com você que não é igual a ninguém mais.
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