Olha eu aqui outra vez

Um texto PER-FEI-TO! É do Gabito Nunes, autor do Caras Como Eu, e do livro Amanhã Seguinte Sempre chega, que está de próximo na minha fila de leitura, aguardando ansiosamente o término de A Garota do Tramboni. 

Enfim, o Gabito escreve muito, e tudo! Porque mesmo depois de um fim de relacionamento, a gente pinta o cabelo, emagrece, faz uma tatuagem nova, vai a lugares novos, conhece outros sons - pra esquecer a trilha sonora do ex-casal- mesmo assim, a gente não muda tanto. Nem nós, nem eles!

Segue o texto.

Ninguém muda

Eu não sabia o porquê de estar ali depois de, sei lá, uns novecentos dias. E você, tão lord e super discreto, exatamente como novecentos dias atrás, também nem perguntou. Ficamos ambos parados e quietos, pensando muito. Eu e meu punho cerrado e apoiado na bochecha, você futucando alguma coisa no cotovelo com a cara séria e entediada. Como numa cena de fluxo lento. Fazia muito tempo que a gente não se via depois que tudo deu errado.

Convidei pra um cinema e você me pediu que subisse. Tudo estava diferente fora as roupas sempre penduradas. Ficamos ali suspensos, sem saber que horas eram, se agora nossos dias separados haviam nos passado pra trás. É só paz de espírito. Ou duas pessoas sem habilidade de montar o quebra-cabeça de uma segunda chance. A gente foi assim, como dois espelhos, a personificação do côncavo e o convexo, refletindo um pra cada lado, só que com o encaixe perfeito. Só o amor sem terceirizações, feito de não mais que duas pessoas, pode ser tão redondo e circular a ponto de voltar ao ponto de partida.

Mas a gente só fica ali, nos sentindo velhos demais pra expor sentimentalidades e falar do que foi. Aí você estupra o silêncio e diz que foi chato o tempo de ficar ouvindo os outros falarem que mudei depois que dei fim àquilo que não tinha fim, e sai fora, com a bolsa cheia de promessas de um futuro melhor e os olhos sob nova direção. Eu deixo escapar que foi bonita a história. Ainda lembro que o plano era provar pra todo mundo que amor perfeito não era só nome de flor.

Mas eu decidi que ia amanhecer em discotecas, provar de bebidas coloridas, ser envolta pelos braços de um novo romance, o mais urgente possível, qualquer um que falasse por mim "diz pra ele que me viu com outro, que eu mudei, fiz uma nova tatuagem, ando ouvindo tipos de música que ele odeia". É o primeiro reflexo: a gente sempre põe alguém no lugar, como um teste pra saber se acabou de verdade ou pro fim não ficar sem carimbo. Aquelas pessoas insípidas que servem pra dividir águas mas logo logo passam por baixo da ponte sem mover nossos moinhos.

Sinto muito se eu era tão feliz e não me dei conta. Se nas poucas vezes que eu sorria, sabia que a intenção era apenas ferir. Mas agora já não sei o que fazer com isso, só sei da minha vontade de fazer um brinde ao nosso reencontro e te beber inteiro sem receio de me afogar outra vez. Mas você fica inerte, deixando bem claro que estou abaixo de uma ferida de cotovelo, talvez tentando proteger aquela parte do corpo que já tanto doeu.

Talvez seja só uma dívida com meu ego mimado, mas eu sinto tesão. Eu quero agora. Se não for por reconciliação, que seja de despedida. Você me vê com um "sim" em cada olho, mas não oculta uma certa tristeza. E faz uma cara como dizendo que desse jeito não vai dar. Mas eu quero muito, então faço uma cara de não se preocupe, deixa que eu dou, do meu jeito. Você bem lembra. Olha eu aqui outra vez. Ninguém muda tanto assim. 

Originalmente publicado AQUI!

O mesmo


E depois de três anos as pessoas ainda me perguntam de você. Eu não sei o que dizer. Não há lugares-comuns como está casado, foi transferido para São Paulo, é pai. Você ainda é o mesmo. Aquele mesmo por quem me apaixonava todos os dias um pouco, é você que ainda some no fim de semana, aparece no domingo à noite ao meu lado, pra me dar a mão. Ainda é você. Embora eu hoje te peça: Não me toque. Você acha que é repulsa. Não é.

Meu pedido é uma súplica, não me toque por fora se não for capaz de me tocar por dentro novamente. Não acaricie minha pele, se não for também acariciar meus ouvidos, não me empreste seu casaco se não for pra aquecer esse frio coração que você deixou ao partir, numa tarde qualquer de 2008. Não me toque, se não for pra dedilhar meus dedos com teus dedos, como o Chico Buarque dedilhando seu violão: Não me toque se não for pra me tocar chicobuarqueando, minha pele, meu sorriso, meu caminhar.

Não me toque, se for para repetir a mesma canção dos tempos passados, quero novas canções. Não me toque se for pra arrepiar os pelos do braço, mas deixar por dentro tudo intacto. Não me toque, se não for com as mãos e com o coração quente. Não me toque se não estiver disposto a gravar minha letra com tua melodia. Não me toque se não gravemente agudo, um amor sustenido, um sofrimento bemol, não me toque se não for no meu tom. Não pegue em minha mãe, se não for pra me pegar inteira e nunca mais me devolver a mim mesma. Meu pedido é uma súplica: me toque além da pele, me toque visceralmente.


Luana Gabriela
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