"Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos, mal rompe a manhã" Carlos Drummond de Andrade

O POETA
Sonha com poemas
e acorda na noite,
escrevendo com os dedos
versos no ar.
Adora
navegar sobre ondas de folhas em branco,
velejar nos cadernos novos,
pular sobre areias de palavras,
correr na praia procurando o Verbo.
Livros, cadernos, papéis e mais papéis...
Continua a lutar com ondas indomáveis,
organiza os termos,
mas só ancora no oceano dos sentimentos.
Nesse instante,
o poeta compreende o poder do caos primordial.
Isabel Furini
23/12/2008

Carlos Drummond de Andrade escreveu em seu poema O Lutador: Palavra, palavra/(digo exasperado),/se me desafias,/aceito o combate", e se o poeta é um lutador que luta com as palavras, é difícil saber se Isabel Furini, escritora argentina radicada em Curitiba, sai da luta como vencedora ou vai a nocaute. Isso porque Isabel usa as palavras com domínio marcial. O poema acima foi ganhador do primeiro lugar do Concurso de Poesia de São José dos Pinhais, em 2002. Isabel tem 15 livros publicados, além da coleção para o público infanto-juvenil: Corujinha e os Filósofos, da Editora Bolsa Nacional do Livro. Pela editora Instituto e Memória lançou no segundo semestre do ano passado O Livro do Escritor. A lutadora-escritora fala nesta entrevista sobre a arte de escrever, do que ela entende desde  criança.

 
Pablo Neruda, segundo se sabe, disse que escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias. É fácil assim mesmo?
Talvez para Neruda fosse fácil. Mas a maioria de nós trabalha bastante para colocar ideias no meio (entre a primeira e a última palavra de um texto).

Uma coisa interessante é que, muitas vezes, o conto, o poema, a crônica, o romance estão lá, em algum lugar do cérebro, e nosso enredo parece maravilhoso, porém, no momento em que decidimos passar o enredo para o papel, as coisas mudam. O enredo não parece o mesmo. É como se fosse um quebra-cabeça e percebemos que perdemos algumas peças no caminho e é difícil completar nosso trabalho.

Você ministra palestras sobre a arte de escrever, orientando quem deseja ser escritor e publicar um livro. Para ser considerado escritor, antes de tudo, é preciso ter um livro publicado?
Essa é uma discussão antiga e, muitas vezes, nas palestras as pessoas perguntam sobre o assunto. Mas o questionamento é complexo. Será que Proust só foi escritor depois de publicar seu livro ou ele já era um escritor desde o momento em que começou a escrever?

Outros consideram que existe diferença entre escritor e autor. Escritor seria quem se dedica a escrever, mas que escreve esporadicamente, por exemplo, quem faz uma obra sobre sua área de trabalho é um autor e não um escritor.

Quais dicas você pode dar para quem quer escrever um livro?
Escrever um livro é uma tarefa empolgante. Se for de ficção, o autor deve desenvolver o enredo passo a passo, alguns mestres do oriente falam que qualquer arte deve ser iniciada com cuidado, com leveza, como quem caminha pisando sobre papel de arroz. Acontece que o caminho do escritor é longo – e não é tão charmoso como as pessoas pensam. Escrever é um trabalho solitário. Então, a primeira dica é ter disciplina, escrever diariamente, ainda que seja uma página. E no mínimo uma vez na semana reler as páginas escritas procurando aprimorar o texto. Outra “dica” é estar sempre atento aos detalhes, caminhar pela rua, ouvir as pessoas. Observar gestos, atitudes, comportamentos e tomar notas daquilo que foi mais interessante. E depois, ao escrever um conto, um romance, analisar se algumas dessas notas podem servir para completar a construção de nossos personagens. Escrever é também aprender a ler o mundo.
O escritor Roberto Gomes, em entrevista ao Paiol Literário, evento realizado pelo jornal Rascunho, em Curitiba, disse que é preciso ler quarenta páginas para escrever uma linha. Você concorda com esta afirmação? Quais autores e obras você caracteriza como indispensáveis para quem deseja fazer literatura neste século XXI?
O escritor Roberto Gomes é muito experiente e deu um bom conselho. Se lermos quarenta páginas para escrever uma linha, imagine você como será interessante essa linha!

Realmente a leitura é imprescindível para o escritor. O trabalho consiste em ler, refletir, e só depois escrever, talvez, por isso, como falou Gomes, precisamos ler muito para escrever um pouco.

Nos últimos 20 anos, com a popularização do uso do computador e da internet, houve uma proliferação dos blogs. Com isso, criou-se um espaço para quem escreve poder publicar seus textos e ir conquistando visibilidade. Você vê isso de forma positiva para a literatura nacional?
Tem um aspecto positivo, pois a internet abriu um espaço democrático, e a juventude está escrevendo muito mais graças aos blogs. Alguns criticam porque muitas pessoas (jovens e adultos) escrevem em blogs espontaneamente, sem aprimorar os textos. Eu acho que ainda assim é uma maneira de se comunicar pela palavra escrita, uma maneira de trabalhar a escrita.

Quais são seus próximos projetos? Há algum livro sendo produzido?
O Livro do Escritor foi lançado pela editora Instituto Memória, em 1° de setembro de 2009. Nesse mesmo mês, comecei um novo trabalho também relacionado à arte de escrever, que pode ser considerado uma continuação de O Livro do Escritor, mas ainda não tem título. Também estou organizando um livro com meus poemas. Escrevo poemas desde criança, e a maioria é jogada fora, mas agora – graças ao meu Blog no Bondenews - eu tenho espaço para publicar meus poemas, pois poesia é um gênero difícil de publicar.




Para quem quiser entrar em contato com você, quais são as formas?
Podem entrar em contato pelo celular (41) 8813-9276 ou pelo e-mail livrocoruja@yahoo.com.br

Redação e Eentrevista: Luana Gabriela da Silva
Fotos: Divulgação

Deixar pra trás sais e minerais- Evaporar - Little Joy

Não desejo encontrar alguém que me complete, é pouco, mas que me transborde, até o final cansar e ser só início.

Fabrício Carpinejar


Que esqueceu os sonhos da última noite em que dormiu sem sofrer. Que se perderam os sonhos que tinha quando ainda sonhava acordada. Que já não crê naquele amor conto de fadas. Do olhar que desconcerta, do abraço que protege, da metade que faltava. Que já não sente que falta algo. Sente-se completa. Do corpo, da alma, da mente. Que não espera telefonemas durante o dia, que não espera textos lindos no email, que não espera nenhuma mentira fantasiada de verdade. Que não espera sempre uma verdade feia, nem tudo que existe, existe entre o limite feio-bonito, verdade-mentira. Que não espera alguém que a complete. Espera quem a transborde. Que isso será difícil. Pois em seu peito foram feitos buracos profundos, abismos, onde devem ter se perdido os sonhos do início. Que não se pode ouvir o barulho da gota cair quando chove no peito, a gota parece nunca encontrar a superfície, como se ficasse caindo, caindo, caindo...

Nem tudo que cai encontra o chão para se apoiar. Nem todos os ombros são amigos. Nem todos os amigos desejam dar só os ombros para consolo. Que secaria no vento frio a lágrima que escorria em seu rosto, por dentro, porque ninguém via. Já não se permitia externar emoções. Andava sempre caminhando com o mesmo rosto. Com o mesmo sorriso, meio falso, meio divertido.

Que transborde não em pranto, mas em riso. Não em cinza, mas todo colorido. Que transborde não em fuga por medo, mas em entrega por desejo. Que transborde não em versos melancólicos de saudade, mas em melodia folk do violão tocado a quatro mãos. Que transborde não em tardes desperdiçadas em brigas, mas em noites passadas suspirando, assoviando, nossa canção – inédita.

Que transborde não em ilusões nunca alcançáveis, que transborde não em gritos, mas no amor silencioso. Que transborde ele e ela em ações, não em palavras. Que transborde para não haver dúvidas de que o que passou não era o rio do amor, era poça, poça da água da chuva – e evaporou.

Luana Gabriela
23/03/2010

Porque hoje talvez eu quisesse estar com você...


Imagem: Kurt Halsey


Meu anjo,

Que te dizer depois de ter chorado tanto? Essa dor, nossa dor de sentir, sentir, sentir. Que te dizer diante da morte? Que te dizer diante do amor? Estive pensando que a dor é mesmo inseparável de ambos. Temos então amor-morte-dor. Amor-dor-morte e tantas outras combinações que ainda podemos sentir.

Sinto paz quando mesmo distante você se faz presente. Coca Coralina escreveu: Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos. E descobri que deve ser por isso que te sinto ainda bem vivo. Que quando sonho contigo, somos os dois só sorrisos. Que te dizer diante de tua escolha de não mais existir? Se tantas vezes eu também pensei em desistir? Que te dizer agora que não sei se podes ou não me ouvir?

Que fazer com as palavras que não disse enquanto estavas aqui? Acho que nem cheguei a te contar que teu nome é o meu preferido, que por ele chamarei meu filho. É que agora não preciso mais te pedir para abaixar o som do carro, nem trocar a TV de canal. Não preciso me preocupar se chegarás bem em casa ou não, porque não chegarás. Porque pela casa e pelas ruas da cidade onde você andava cantando alto, ecoa um silêncio, agora e amanhã, e depois, e pra sempre. Sua voz que eu já não ouço há algum tempo, se confunde com o brilho dos seus olhos que já estava ausente naquela última foto.

O que guardo de você é essa ausência, aquela saudade constante, tua letra naquelas cartas, a tua surpresa chegando no Natal, o teu temperamento indo embora para outro Estado sem dar tchau. Queria poder cantar contigo uma última vez nosso refrão favorito: Quero ser feliz também...

O que ficou em mim é o medo de errar de novo. De ficar preso na garganta o “Eu te amo”. Meu anjo. E hoje a combinação aqui dentro é amor-morte-dor-amor. Sempre, te amo para sempre. É o que grito alto quando aqui dentro dói tanto, tanto. E grito alto porque talvez possas me ouvir. E choro por essa mania minha, que você também tinha, de sentir, sentir, sentir...

Luana Gabriela

O ponto

Entendo que na correria, na velocidade com que os olhos percorrem as páginas, a gente pode não se dar conta e escrever ao invés de vírgula, ponto. Ou entender como ponto a vírgula que alguém havia escrito. E quem sabe isso faça tudo aumentar (9.148 km) quando a distância é bem menor- 9, 148 km. E nem precisamos converter unidades de medidas. Precisamos converter interrogações em exclamações, reticênciais em ponto e vírgula, aspas em travessão. O pranto em riso. O falso amor numa sincera solidão.


Luana Gabriela
19/02/2010

O ponto

Entendo que na correria, na velocidade com que os olhos percorrem as páginas, a gente pode não se dar conta e escrever ao invés de vírgula, ponto. Ou entender como ponto a vírgula que alguém havia escrito. E quem sabe isso faça tudo aumentar (9.148 km) quando a distância é bem menor- 9, 148 km. E nem precisamos converter unidades de medidas. Precisamos converter interrogações em exclamações, reticênciais em ponto e vírgula, aspas em travessão. O pranto em riso. O falso amor numa sincera solidão.


Luana Gabriela
19/02/2010

Sobre o amor em silêncio

Ela tem um medo assombroso de mim, do quanto posso feri-la. Eu tenho um medo danado dela, porque é bem capaz de viver sem mim. A linda cretina nunca disse que não vive sem mim, acredita? Nunca, nem dormindo…

O amor dela é tranquilo, imutável, o meu é para agora, renovável. Ai se ela não demonstra apego numa tarde, mergulho em surto. Ela não depende de jura e declarações, está bem assim, cercada de um silêncio atento, sabendo que a amo. Quando preciso dela, ela supõe que é drama e mais uma artimanha para ser o centro dos acontecimentos. Quando ela precisa de mim, eu deduzo que ela procura se afastar e perdeu o interesse. Já brigamos no carro, no elevador, no shopping, acordamos vizinhos, assustamos os donos e seus cães na rua e insistimos e nos perdoamos porque somos tão apaixonados.
(...) Muito mais do que poderia conservar numa vida. Muito mais do que possuo condições de antecipar pela minha ansiedade.
A esperança pode vencer a experiência. A esperança é uma experiência.
Fabrício Carpinejar
...

Eu já nem sei ao certo quanto tempo faz. Mas há coisas que são atemporais. Teu abraço que me prende toda, teu riso ao meu lado em frente à TV, nossa música tocando no rádio, a madrugada em que não te deixei beber, o jeito que te cuidei esses anos todos, mesmo quando estávamos longe. Eu sei, sei que você pensa que tudo dentro de mim mudou, e que depois daqueles beijos só restou amizade. Não restou nada. O que acontece é que teus beijos e carinhos brotaram um amor incondicional em mim, como achei que jamais conseguiria sentir, quando achei que não sentia mais nada por ti. Sei também que alguns sentimentos são feitos não para serem vividos, mas apenas sentidos, calados, quietos. Te amo mesmo no silêncio. Te amo ao esticar a segunda letra de teu nome, quando te escrevo, te amo esquecendo você cada dia um pouquinho, e isso há anos. Namorei alguém tentando te esquecer, esqueci quem eu era com a distância entre nós dois. Te amei sem saber, e me pergunto se isso é possível. Amar e não morrer de saudade. Amar e não morrer de vontade. Amar e seguir vivendo como se não fosse nada. Como se não fosse para hoje a necessidade que tenho do teu braço, do teu riso, do teu amor. Como se a vida não pudesse acabar amanhã. Como se o amor também não pudesse morrer.


Luana Gabriela

PS:
Andei assoprando feridas aqui - Vento com Som de Riso
Matei a fome aqui - 500g de Cultura

Sobre cafés, tortas e pessoas doces

Sentada olhando fixamente aquela caneca de café – lembrava-se de como havia se viciado naquela substância – não o café. Naquilo que ela não sabia ao certo o que era, mas lhe trazia topor, alívio, riso onde há pouco ardia a dor, escorria o pranto. Sabia que era assim como uma droga que se conhece os efeitos ruins, mas se deixava levar pelas boas sensações, imediatas.



Para acompanhar o café, um pedaço de torta de cereja “sweet cherry pie”, ecoava em sua mente o refrão. Mas o que tocava em seu mp3 era outra coisa - She had something to confess to/ but you don't have the time so look the other way/you will wait until it's over/to reveal what you'd never shown her too little much too late… Ecoava também tanta coisa boa que ele lhe havia dito e ficava a certeza de que o próximo teria de se esforçar para superar aquela originalidade – decorrente daquela inteligência - pensou e descobriu que a inteligência é afrodisíaca. Inteligência com a qual não contava quando o chamou de chocolate-no-meio-do-regime, e riu ao lembrar. E sentiu vergonha como se fosse a primeira vez que pensasse naquilo, mas não era. Ele entendeu o que ela quis dizer. E ela sentiu vergonha muitas outras vezes, ao falar, pensar, ao sentir saudade quando um dia ele sumiu.


Pensou, esforçou-se, para lembrar como exatamente aquilo se deu, o início se perdeu. Lembrou da antipatia dos primeiros dias, de uma revista, de alguns filmes e de um mundo novo apresentado a ela – e no meio daquelas lembranças todas valorizou o gibi antigo que havia ganho.

O tempo veio, como diria Caio F., assim como a distância. E ficou aquele novo e velho sentimento de conhecer alguém e não conhecê-lo de verdade nunca. Porque ás vezes o que fica são apenas as palavras ditas e escritas que o vento da distância nunca leva embora. E ficou a leitura – depois da recusa do ensino médio - de Dom Casmurro, para decifrar os olhos de ressaca que ela tanto o ouviu falar....


(...) a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que (...)
Machado de Assis


Luana Gabriela
Março 2010

Arte forte e delicada (como a mulher contemporânea)

Forte na estrutura e de essência delicada são características comuns a criadora e a criatura. Representante do mais popular “tipo” de mulher do presente século, a designer Désirée Sessegolo, - empresária, mãe, etc. - realiza desde o início deste mês sua primeira exposição individual- Anima! As peças de vidro trabalhadas com técnicas específicas são expressões artísticas de beleza única. Tanto, que encantaram a crítica de arte Maria Leticia Vianna, Doutora em Arte pela USP e Sorbone.

Confira abaixo entrevista exclusiva com a artista e saboreie o petisco de sua obra doce como descreve Maria Letícia Viana, no texto de abertura da exposição. (Confira o texto completo no site)


Desde quando trabalha com criação de peças de cerâmica e vidro? Porque os escolheu como material base para o seu trabalho?
Há 3 anos iniciei com cerâmica e em seguida com cerâmica com queima em Raku e depois com vidrofusão. Sempre sonhei em trabalhar com materiais onde eu pudesse dar vazão à criatividade com total liberdade de criação... e a cerâmica foi excelente para mim. O vidro foi um passo a mais, onde desenvolvi uma nova técnica de fusão.


Qual a sua inspiração para a escolha das cores, formatos,para a criação das peças?
A fonte de inspiração é a natureza em conjunção com a alma e o espírito. As formas são sempre orgânicas e simples para evideciar a textura de cada peça; e as cores intensas, pelas diferentes sensações que geram no observador.


Sua primeira exposição individual (Anima!) está aberta, em Curitiba. Qual a sua expectativa com relação a esta experiência?
A realização pessoal é enorme ao ver que a minha criação agrada a outras pessoas. E ainda maior ao receber críticas favoráveis de grandes conhecedores das artes visuais e da mídia nacional. Minha expectativa é de tornar o meu trabalho conhecido e com isso, colocá-lo em galerias e em exposições fora do país.


Peça de Désirée Sessegolo - Divulgação

Qual sua visão do espaço que é dedicado às artes plásticas aqui no Brasil e especificamente em Curitiba?
A dificuldade começa com a pouca oferta em materiais e ferramentas, que além de escassos, são caríssimos. Depois vem a falta de incentivo à produção artística.

Há alguma outra exposição em vista? Quais são seus próximos projetos?
Tenho planos de expor em outras capitais brasileiras e no exterior, com foco na Itália pela forte tradição vidreira.


Para quem quiser contatá-la, quais são as formas?
Através do site http://www.ceramicaevidro.com/ e do e-mail: desiree_sessegolo@hotmail.com


Serviço:
Exposições: Anima!
Local: Museu Alfredo Andersen (Rua Mateus Leme, 336)
Horário de visitação: de terças às sextas-feiras das 9h às 18h
Sábados, domingos e feriados das 10h às 16h.
Data: até 23 de maio
Entrada gratuita
Informações: (41) 3222-8262

Não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer ...

Como se fosse possível eu hoje silencio, e grito, a falta exausta que sinto da Porto Alegre que ainda não conheço. Do vento, que toca o cabelo dele, que faz frio e lhe arrepia os pelos. Como se fosse possível eu hoje embarco e me aproximo, “põe mais um na mesa de jantar que hoje eu vou pra ir te ver, desliga o som dessa TV pra gente conversar”. Como se não fosse o inverso a vida virando verso e não dar vida às palavras rimadas de alguém que não nos conhece,meu bem.

E como se não fosse tudo mesmo ao inverso quando o assunto sou eu ao teu lado, meu lado vazio, meu lado concreto, meu lado discreto, tenho dois lados, e me sinto uma só, e completa, mesmo quando falta você. Não deveria ser assim, me dizem. Mas sinto que essa saudade que bate é ainda mais  verdadeira por não ser necessidade, só vontade.

E como se fosse possível te escrevo uma mensagem “te extraño”, meu quase argentino. Ex-cabeludo, sobrancelha grossa, mãos de seda, pele branquinha,coração de papel. Te escrevo não só agora, porque o vento bate, porque a janela faz barulho, porque a caneta falhou, te escrevo porque penso que o amor não acabou, te escrevo porque ainda existem as pontes. Os aeroportos, porque ainda me ancoro em você, meu porto. Meu porto, alegre mesmo quando triste, por saber que em algum lugar do Sul  alguma guria existe que ainda pensa em ti.

Como se fosse possível que essa guria fosse eu. Como se fosse possível que amanhecêssemos sobre o céu de outono, amanhã.


Luana Gabriela
19/03/2010

Curitiba se transforma em um grande palco público

Cena de OZINTOCÁVEIS peça de João Luiz Fiani, com atuação de Thierry Lummertz


Em janeiro Curitiba respira música e até as buzinas parecem estar em harmonia. Em março é hora de respirar e transpirar Teatro. As folhas caindo, anunciando o outono próximo, parecem estar bem ensaiadas e com as marcas estabelecidas. Desde o último dia 16 o Festival de Curitiba toma conta da cidade. Ao todo devem ser apresentadas na capital cerca de 400 peças dividas entre diversas mostras como: Fringe, Infantil, Risorama, etc.

Em sua 19a edição o evento já apresentou mais de três mil peças para um público de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Além dos espetáculos, neste período também são realizados cursos, palestras, oficinas e festas.

A popularidade do Festival se deve em parte pelas apresentações gratuitas que acontecem nas praças e ruas de Curitiba. Para João Luiz Fiani, ator, diretor, dramaturgo, iluminador e cenógrafo, a iniciativa merece destaque. “Genial... Deveria ter muito mais! Muito mais! O teatro de rua tem essa função: popularizar! Aproximar o cidadão comum. A origem do teatro é essa. Deveriam ter muito mais ações como essa”, afirma. O ator Thierry Betazzi Lummertz,21 anos, compartilha da mesma opinião. “Essa iniciativa possibilita que todas as classes sociais tenham acesso à cultura, levando essa arte que é tão rica e maravilhosa a todos”, diz.


Cena de OZINTOCÁVEIS em cartaz no Teatro Lala Schneider

Ambos estarão em ação durante os próximos dias. Fiani conta que sua Companhia participa este ano, com 24 peças. “Uma verdadeira maratona! Atuarei como autor, diretor, produtor, e claro ator! Em cena estou em apenas uma. Nem Freud Explica, dias 26, 27 e 28 às 21h no Teatro Fernanda Montenegro”, conta. Lummertz se apresenta nos espetáculos Equus, dias 22, 23 e 24 na Casa de Teatro Edson e em Orquestra de Senhoritas, nos dias 25, 26 e 27 no Teatro Paulo Autran.

Apesar da correria, Fiani conta que pretende conferir algumas apresentações."Vou ver o que for possível. Inicialmente me programei para ver Perfídia Quase Perfeita do Cláudio Marinho e Vida do Márcio Abreu”, afirma. São estas também as sugestões dele. “Recomendo essas duas”.

O teatro tem espaço certo na cidade, não só neste mês, mas durante todo o ano. Para Fiani o público local já está consolidado, independente de atores curitibanos estarem ou não em destaque. “O público de Curitiba gosta de teatro. Gosta de arte. De cultura. Independentemente do sucesso nacional desse ou de outro ator! E sabe discernir o sucesso momentâneo com o que se faz com qualidade e seriedade em nosso teatro. O teatro curitibano é de extrema qualidade e independe de certos modismos e de "famosos" das novelas das 8”,explica. Para Lummertz, o reconhecimento de atores da cidade e do Estado, colabora para a valorização da arte. “Quanto mais os atores paranaenses se destacarem a nível nacional, maior será o reconhecimento das pessoas e consequentemente esta arte será mais valorizada na cidade”, conta.

O Festival de Curitiba é uma oportunidade ímpar para ver não só atores consagrados, mas também conhecer tudo o que se passa nos palcos da cidade durante o ano. Confira a programação completa do Festival de Curitiba 2010 no site:www.festivaldecuritiba.com.br/.

Entrevistas e Redação: Luana Gabriela da Silva
Fotos: Patrícia Basniak

No vento te beijo e suspiro que te amo

Imagem: Kurt Halsey
“O acontecer do amor e da morte
desmascaram nossa patética fragilidade” Caio F E senti uma dor enorme. Não contive as lágrimas. Talvez eu pudesse diminuir a dor dele. Sentir-me fraca e triste pela dor que não é minha. Talvez seja isso o que chamam de compaixão. Penso na morte todos os dias. Alguns dias penso com medo, em outros com desejo. Tão presente na vida que nos cerca. Nas notícias estampadas nos jornais, nos romances policiais e por vezes constantes em nossos telefonemas e emails. A morte torna tudo tão pequeno. A dor do amor que acabou, do amigo que traiu, do fracasso profissional, soa tudo tão egoísta, quando ao meu lado chora a mãe que descobre no ventre o filho que parou de viver, um dia antes de conhecer o mundo. Quando jovens choram a morte de outros jovens. Quando um país inteiro chora por milhares de mortes. Pensar na morte me faz viver cada dia melhor. Consciente da minha pequenez. Consciente de minhas preocupações inúteis, consciente do valor do ar que nunca pedi pra respirar e que nunca me faltou. E quando alguém se vai fica um vazio, na cadeira ao lado, na mesa de jantar. Fica um vazio, às vezes culpa. Ficam perguntas: como? Porquê? E nessa hora o vento sopra, enxugando as lágrimas, o vento acaricia o rosto, o vento é o consolo. Deixei com o vento o papel de saber-te amado. O vento que é um sopro de vida. Um assopro para a ferida parar de arder. O vento é o que preenche aquele vazio que fica. O vento é o que leva embora a culpa. O vento é que traz o cheiro da flor, é o que move seu cabelo quando você já não se sente vivo, inteiro. O vento que está em todo lugar que toca tua face. Pelo vento sei que você sente agora a vida entrando, enchendo teu peito, te fazendo suspirar. E suspirar faz vento. Luana Gabriela 20/01/2010 "Um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso e fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim”
Caio F.

O que é cultura?

O termo cultura se refere tanto a conhecimento, estudo, como à civilização e progresso. Daniel Piza conta que em 1996 a Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte realizou uma grande pesquisa que tinha por meta conhecer os valores e os hábitos culturais da cidade. Entre as diversas perguntas as pessoas deveriam responder: “Um filme de Steven Spielberg é cultura?” Mais de 2/3 dos entrevistados respondeu que não. O que este filme seria então, se não cultura?” (PIZA, 2003). Entretenimento, lazer, diriam provavelmente.

O que acontece, como mostrou a pesquisa mineira, é que a maioria das pessoas associa “cultura” a algo inatingível, exclusivo dos que lêem muitos livros e acumulavam muita informação, algo sério, complicado, sem a leveza de um filme passatempo. (PIZA, 2003,pág.) Ele ainda conclui afirmando que um filme como ET é sim cultura. “É óbvio que um filme de Spielberg é cultura, por lidar com signos, existe já uma vasta literatura psicanalítica com interpretações sobre ET.”

No dicionário:

cultura sf 1 V. Cultivo. 2 Agricultura, lavoura. 3 Estudo, erudição, conhecimento. Ex: Ele tem muita cultura. 4 Civilização, progresso, desenvolvimento. Ex: A cultura de um país.

Antônimo: Atraso.

Luana Gabriela

Você tem sede de quê?

“a gente não quer só comida
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer bebida, diversão, balé”

Titãs

Um novo blog para um assunto de interesse antigo, Jornalismo Cultural e Jornalismo Literário. Não pretendo de fato fazer aqui o jornalismo propriemente dito, com furos de assuntos, com abordagem inédita de temas. O que pretendo é dar vazão a este interesse profissional meu, ainda não explorado e não especializado.

Porque nem só de pão vive o homem, mas também de toda arte produzida, alimentando os sonhos, as ilusões, curando feridas, despertando amor e salvando vidas.

Você tem sede de quê?/Você tem fome de quê?

A dor não se divide

Escrever doi. Assim mesmo, sem acento. Apenas acentua minha dor.
Porque minha dor é aguda. E quando escrevo assim -doi- parece que uso de eufemismo para com ela. Que me pede apenas para que lhe deixe doer inteira e aí então ela dói. E descubro que que sempre será assim com acento dói porque é com uma sílaba só, a dor é indivisível.

Luana Gabriela

A dor não se divide

Escrever doi. Assim mesmo, sem acento. Apenas acentua minha dor.
Porque minha dor é aguda. E quando escrevo assim -doi- parece que uso de eufemismo para com ela. Que me pede apenas para que lhe deixe doer inteira e aí então ela dói. E descubro que que sempre será assim com acento dói porque é com uma sílaba só, a dor é indivisível.

Luana Gabriela

A dor não se divide

Escrever doi. Assim mesmo, sem acento. Apenas acentua minha dor.
Porque minha dor é aguda. E quando escrevo assim -doi- parece que uso de eufemismo para com ela. Que me pede apenas para que lhe deixe doer inteira e aí então ela dói. E descubro que que sempre será assim com acento dói porque é com uma sílaba só, a dor é indivisível.

Luana Gabriela

Sobre quem fui, sobre quem foi

Mas é que já não choro. Já não sorrio. Minto. Ainda sorrio, falso e pouco claro, mas é pra provar que ainda ouço as besteiras que me falam. O telefone toca, não quero atender. Que seja ele, talvez para me pedir desculpas. Que seja qualquer pessoa, não quero ouvir. Não sinto dor. Mas também não sinto prazer. Por vezes, à noite, enquanto penso em nada – porque juro, eu consigo não pensar em nada – eu delicadamente ajeito meus dedos naquela veia do pescoço para sentir meus batimentos. E o coração bate. Então eu sei. A função do coração não é amar. É bater. E vai num ritmo constante, li uma vez que assim como ninguém tem digitais iguais a de outra pessoa, que cada um também tem um ritmo cardíaco diferente. Incrível, eu penso. E volto a pensar em nada. Até que me lembro de quanto deve estar frio lá fora, e sinto pena dos que não têm casa como eu. E volto a pensar em nada. Talvez tudo seja nada. E fico dando voltas sobre as verdades que escondo até de mim. Mas que verdades? Você me perguntaria se ainda estivesse aqui. E se estivesse eu jamais te diria a verdade exata, seria uma verdade enfeitada. Mas você não está. Então eu digo. Sinto uma vontade enorme de te mandar embora da minha vida. Aliás, não só você, todos. Todos eles que não me servem pra nada. Você se magoaria com o termo serve, e eu só por pensamento te falaria um palavrão. Você sabe que eu não falo. Mas não sabe o que eu penso. Mas embora da minha vida parece pouco, queria você fora do mundo. Quer que eu morra? – você se assusta - Entenda como quiser. Mas não vou te falar nada disso. Dentro de mim você está em coma. Respirando por aparelhos. Não sei, de verdade, não sei como acordar aquele sentimento de novo. E vou além, não sei nem se quero salvar sua vida, aqui dentro de mim. Talvez eu não queira. Talvez você fique aí mais alguns anos dormindo, inconsciente. Às vezes você mexe os dedos, talvez seja algum reflexo, não sei. Mas já me dá uma esperança de que talvez quando acordar você seja aquele que eu amei um dia. Que eu amo em segredo todos estes anos, talvez. Mas você não abre os olhos. E é tudo escuro dentro de mim. Eu acordo. Inspiro o ar com força, para sentir, mas sentir o que. Inspiro para sentir se ainda estou viva. E estou. Levanto, a chuva ainda não parou. Faço café, o celular chama. No visor: Sem você eu morro. Me desculpe. E já não acredito. Por dentro eu ouço aquele barulho dos filmes quando a máquina avisa que o coração do paciente parou de bater. __________________________________ Dentro de mim, não há mais você. Hoje eu não amo ninguém. Luana Gabriela 13/01/2010
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Triste é não chorar (...) A dor que nos machucou - Nando Reis

“Deixa eu sangrar ao menos Deixa eu chorar então Deixa eu sangrar ao menos Deixa eu perder a ilusão Restam a noite, os ventos E as coisas como são” Titãs Não foi assim, do nada. Explicava ela para si mesma, para quem sabe compreender o que não compreendia agora. E acreditava que não ia compreender nunca, mas achava que valia o esforço. Mas talvez não valesse a dor de relembrar, observar as feridas sendo reabertas, porque doi, muito e já não queria mais doer. Mas também essa coisa de trabalhar para não pensar, e como diz o filósofo do livro que ela lê agora, quem lê muito não tem tempo de ter seus próprios pensamentos. Era isso mesmo que ela andava fazendo. Nunca havia lido tanto. Sua amiga observou: Você tem sempre um livro. Ficou quieta, mas queria responder: Porque tem sempre algo em que não quero pensar. Às vezes é no amor, que passou. Às vezes no trabalho mesmo, que é outra decepção. Melhor é não pensar. Melhor é ler e dormir muito. Mas não foi assim de um dia para outro que se viu tão só. Tinha hoje uma explicação: "Eu sofro sendo assim, eu sofro porque, quando você acha mais da metade do mundo babaca, você passa muito tempo sozinho." (T.B) E são mesmo muito estranhas aquelas pessoas. Cada uma com suas máscaras ela tem as suas, é quase natural. Sorrir mesmo sofrendo. Aconselhar mesmo querendo conselho, oferecer o ombro mesmo quando já não se consegue falar por tantas não lágrimas não derramadas. Mas era esta a imagem que tinham dela. Outra amiga escreveu que vê-la tão irritada e triste era mesmo muito estranho, pois a via como um “super-heroi”. Então, ela tinha sido desmascarada e agora era apenas outra vítima a ser socorrida. Mas por quem? Se era ela a heroína até aqui. Se até aqui era ela quem fazia os acreditar no amor. Era ela quem dizia sempre que esperar era bom, que o sol estava lá mesmo quando tinha mais nuvens no céu. Meu Deus era ela! E agora? Quem vai dizer que se deve mesmo acreditar no amor, que se não foi agora que deu tudo certo pode ser amanhã. Quem vai escrever palavras bonitas que não sejam sobre dor? Quem vai consolar o colega de trabalho que se separou? Quem vai incentivar o outro a estudar, a crescer, a melhorar? Quem é que vai dizer que viver vale a pena mesmo quando os dias te fazem doer? Quem vai tocar e cantar: Were you born to resist? Or be abused? Is someone getting the best, the best, the best, the best of you? Porque de verdade tem sempre alguém pra tirar o que você tem de melhor. E embora as pessoas pensem que ela é a mesma. Não é não. Dessa vez não foi o cabelo que ela mudou. Foi algo lá dentro, que não existe mais, foi na essência que algo se perdeu. Porque a essência daquela que sorria mesmo quando tinha vontade de chorar, a essência de quem acreditava no amor, mesmo não sendo amada, era a esperança. Evaporou, como aquele perfume dele. O rio fica lá, a água é que correu/Chega na maré, ele vira mar/Como se morrer fosse desaguar/Derramar no céu, seu purificar/Deixar pra trás sais e minerais/Evaporar. A essência dela foi perfumar outros céus, outros caminhos. Distribuiu tudo que tinha e ficou só. Só com sua dor, só com suas feridas entreabertas, só com aquele desejo de ser quem um dia foi. Porque levara, tudo que ela tinha de bom, levaram todo amor que ela tinha guardado. E não deram nada em troca. Há quem olhe pra ela e a admire. Como pode ser tão entrega pelos outros? Já disseram. Alguém desconfia que ela tenha dentro daquela cabeça dois cérebros. Como é que disse ele mesmo? “Você deve ter dois cérebros. – Porque minha cabeça é pesada? –Não porque é muito inteligente.” Dois cérebros e nenhum coração. E talvez seja essa diferença que a faça andar em equilíbrio, brincando às vezes, desafiando os perigos, andando sobre o meio fio, quase caindo. Porque não conhece mais a si mesma. E ela volta para seus livros, porque não quer pensar sobre tudo que ele levou dela, não quer pensar sobre aquele mald* dia em que se conheceram. Não quer pensar sobre quem era antes dele aparecer. Deveria ser pecado também roubar alguém de si mesmo. Roubar a esperança, a essência. E agora ela aprendeu que ninguém pode salvar a si mesmo. Luana Gabriela 06/03/2010

Sobre o que eu já não mais suporto (em mim, nos outros)

Mas não se pode agir assim, a amiga avisou no telefone. Uma pessoa não é um doce que você enjoa, empurra o prato, não quero mais. Tentaria, então, com toda a delicadeza possível, sem decidir propriamente decidiu no meio da tarde — uma tarde morna demais, preguiçosa demais para conter esse verbo veemente: decidir. Como ia dizendo, no meio da tarde lenta demais, escolheu que — se viesse alguma sofreguidão na garganta, e veio — diria qualquer coisa como olha, tenho medo do normal, baby. Só que, como de hábito, na cabeça (como que separada do mundo, movida por interiores taquicardias, adrenalinas, metabolismos) se passava uma coisa, e naquele ponto em que isso cruzava com o de fora, esse lugar onde habitamos outros, começava a região do incompreensível: Lá, onde qualquer delicadeza premeditada poderia soar estúpida como um seco: não. E soou, em plena mesa posta. Tanto pasmo, depois. Sozinho no apartamento, domingo à noite. Todas as coisas quietas e limpas, o perfume adocicado das madressilvas roubadas e o bolo de chocolate intocado no refrigerador — até a televisão falar da explosão nuclear subterrânea. Então a suspeita bruta: não suportamos aquilo ou aqueles que poderiam nos tornar mais felizes e menos sós. Afirmou, (...), reformulou, repetiu, acrescentou esta interrogação: não suportamos mesmo aquilo ou aqueles que poderiam nos tornar mais felizes e menos sós? Não, não suportamos essa doçura. Puro cérebro sem dor perdido nos labirintos daquilo que tinha acabado de acontecer. Dor branca, querendo primeiro compreender, antes de doer abolerada, a dor. Doeria mais tarde, quem sabe, de maneira insensata e ilusória como doem as perdas para sempre perdidas, e portanto irremediáveis, transformadas em memórias iguais pequenos paraísos-perdidos. Que talvez, pensava agora, nem tivessem sido tão paradisíacos assim. Porque havia o sufocamento daquela espécie de patético simulacro de fantasia matrimonial provisória, a dificuldade de manter um clima feito linha esticada, segura para não arrebentar de súbito, precipitando o equilibrista no vazio mortal. Cheio de carinho, remexeu no doce, sem empurrar o prato. Preferia a fome: só isso. Pelo longo vício da própria fome — e seria um erro, porque saciar a fome poderia trazer, digamos, mais conforto? — ou de pura preguiça de ter que reformular-se inteiro para enfrentar o que chamam de amor, e de repente não tinha gosto? De onde vem essa iluminação que chamam de amor, e logo depois se contorce, se enleia, se turva toda e ofusca e apaga e acende feito um fio de contato defeituoso, sem nunca voltar àquela primeira iluminação? Espera, vamos conversar, sugeriu sem muito empenho. Tarde demais, porta fechada. Sozinho enfim, podia remexer em discos e livros para decidir sem nenhuma preocupação de harmonia-com-o-gosto-alheio que sempre preferira um Morrison a Manuel Bandeira. Sid Vicious a Puccini. A mosca a Uma janela para o amor, (...) Mas os escritores são muito cruéis, você me ama pelo que me mata (...) Não muito confuso, assim confrontado com sua explícita incapacidade de lidar com. A palavra não vinha. Podia fazer mil coisas a seguir. Mas dentro de qualquer ação, dentes arreganhados, restaria aquela sua profunda incapacidade de lidar com. (...) ainda pensou: gosto tanto de você, baby. Só que os escritores são seres muito cruéis, estão sempre matando a vida à procura de histórias. Você me ama pelo que me mata. E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo — e não entende nada.
Caio Fernando Abreu - Anotações Insensatas
Se desapareço esteja certo de que recomeço
em algum outro canto de mim.

Se sumo é porque me encontro no endereço
que só eu conheço

E ainda assim me perco,
nesse labirinto dentro de mim.


Luana Gabriela
27/02/2010
Se desapareço esteja certo de que recomeço
em algum outro canto de mim.

Se sumo é porque me encontro no endereço
que só eu conheço

E ainda assim me perco,
nesse labirinto dentro de mim.


Luana Gabriela
27/02/2010

- Please don´t stop the rain - James Morrison

"Como um território não mapeado Eu devo parecer muito intrigante Você fala do meu amor Como se já tivesse experimentado amor como o meu antes" Alanis - Uninvited Um dia qualquer, cheio de pequenos milagres que ninguém mais percebe. Na verdade, ninguém mais percebe nem mesmo os grandes milagres. Os seres humanos são mesmo desprezíveis e ela não se exclui da afirmação. No rádio tocando a música tema daquele momento: Eu hoje joguei tanta coisa fora/Eu vi o meu passado passar por mim/Cartas e fotografias gente que foi embora/A casa fica bem melhor assim. O tempo que agora é frio, é o que ela mais gosta. Sentada enfrente aquela janela, a chuva batendo e as lágrimas que não rolaram, tudo ao mesmo tempo e intrigava aquele nada todo dentro dela. Sua última frase: Estou cheia da distância das pessoas que estão perto. E ele entendeu que era também o fim. E que agora era bom aquela distância toda, foi o que ela concluiu. E dentro dela o coração um gelo, só que mais difícil de quebrar, tipo pedra. Mas não era bem isso. Era como se o coração não estivesse mais lá. O amor estava lá fora, o vento. Porque o amor é vento, está em todo lugar. E a gente não sabe onde vai, e não consegue ver o que traz e o que leva. Só depois de muito tempo é que dá pra perceber. Porque a areia fica escassa, porque os pinus nascem em qualquer lugar. Porque os muros crescem, porque a esperança se esvai. E mesmo pra quem não sente, é só olhar os cabelos de alguma mulher que passa na rua, lá está o vento. Era só olhar qualquer coisa, lá estava o amor. Mesmo naqueles humanos que não sorriem muito, ou naqueles que mentem, e os que fingem estar felizes. É que a vida me diz, que eu ando ausente. Eu não ando ausente, eu sou ausência. Porque quando estou ausente em algum lugar estou presente em outro. E sou toda ausência-presença. E nunca estou inteira, sou pedaços. Sou feita de ausências presentes dia sim outro também. Hoje sou feita do abraço que não dei, do amor que não recebi, do grito que calei, da briga que evitei, sou feita até, quem diria, dos versos que não escrevi. Sou eterna ausência e estranheza. Porque embora eu aqui esteja, também não estou. Porque sou só. E se me faço presente, só percebe quem sente, que sou cada dia menos. Menos instável, menos comum. E pela falta de palavras próprias, porque se esvaiu minha inspiração, me calo. Porque já não quero falar da solidão. Que busco. Que buscarei sempre, porque em volta o nada é o que me atrai. Luana Gabriela Fevereiro 2010
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