- porque escrevo -

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível,é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada" Clarice Lispcetor

- Paulo Leminski -

"O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universoRelação, não coisa, entre consciência, a vivência e as coisas e os eventos.O sentido dos gestos. O sentido do produto. O sentido do ato de existir.Me recuso a viver num mundo sem sentido.Estes anseios/ensaios são incursões conceptuais em busca do sentido.Por isso é próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser buscado, numa busca que é sua própria fundação.Só buscar o sentido faz, realmente, sentido.Tirando isso, não tem sentido"

- vestindo o amor -

Sinto que amo pela roupa. Não a minha, a dele. Tenho minhas peças favoritas. Os acessórios que gosto e até os que não gosto e faria de tudo pra ele parar de usar. Ando pelo shopping e encontro peças que gostaria de dar a ele, posso imaginá-lo com a camisa xadrez, com uma camiseta preta por baixo. Ou com um moletom preto com gola que sobe pelo pescoço, acho lindo. Ah! Os tênis nem preciso falar, all star. Meu filho vai usar all star desde de criança, ele não se oporia a isso. Lembro da roupa que ele usava da primeira vez que o vi, e não foi uma boa impressão. O amor não vive de primeiras impressões. Ele precisa de intimidade, e inimidade leva tempo. Quero descobrí-lo. Além do modo de vestir, quero descobrir o que aquece o coração dele. O que ele veste antes de sair de casa, para trabalhar, como escolhe as peças do dia. Como escolhe o sorriso que veste e adorna seu rosto. Quero vestí-lo com as peças que gosto, quero aquecer o coração dele, quero estampar a vida dele. O amor é colorido e sabe se vestir. Eu achei linda a roupa que ele usava da última vez que nos vimos. Acho que algo mudou, no estilo dele e em mim.

- fragmentos-

Lygia Fagundes Telles - A disciplina do amor "Estranho, sim. As pessoas ficam desconfiadas, ambíguas diante dos apaixonados. Aproximam-se deles, dizem coisas amáveis, mas guardam certa distância, não invadem o casulo imantado que envolve os amantes e que pode explodir como um terreno minado, muita cautela ao pisar nesse terreno. Com sua disciplina indisciplinada, os amantes são seres diferentes e o ser diferente é excluído porque vira desafio, ameaça. Se o amor na sua doação absoluta os faz mais frágeis, ao mesmo tempo os protege como uma armadura. "
Faltava que ele dissesse que não conseguiria ficar sem ela, que ao menos sentia saudades. Ela praguejou escondida, suportou as olheiras, encabulou meses de convívio, tentou ser forte, mudou de planos, pensou que enlouqueceria caso não se abrisse para alguém, não se abriu e enlouqueceu, arrebentou-se em segredo para sofrer sem que ele visse que sofria. Na última semana, ela se reencontrou novamente com o ex. Num ônibus, entre passageiros que nada tinham com isso, ele finalmente declarou sua paixão e expressou todas as palavras que ela queria ouvir. Todas. Até aquelas que não ouviria, pois era vaidade demais imaginá-las. Perguntou inclusive se ela continuava usando o mesmo perfume. Ela riu: "Sim, eu não mudei de perfume." Talvez tenha mudado de corpo, de perfume não. Ele riu, acreditou que ainda era tempo, que ela o aceitaria de volta. Ela afastou os braços dele dos seus ombros. Com ternura. Uma ternura de quem soube avançar pelos espinhos e enxerga a vida da copa das árvores, com mais altura do que o vento. Com mais discernimento. Um amor atrasado não é amor. Um amor atrasado é amizade depois de um amor que não aconteceu. Fabrício Carpinejar PS: Não desejo um novo amor atrasado, nem de oito nem de cinco anos. Não desejo que se atrase nenhum minuto.

- Covardia-

Amor não se sabe, amor se pressente. É uma indefinição contente e, ao mesmo tempo, assustadora. Acontece um descuido ao segurar a cintura dela, um pressentimento longo e duradouro na correnteza dos cabelos, uma pressa em se despedir que é desejo de permanecer mais um pouco. O que era passageiro, o que era para ser mais um esquecimento, transforma-se em obsessão de cuidar e voltar, em obsessão de estar presente e arrumar todos os motivos e subterfúgios para não pensar em outra coisa. Aperta uma vontade de conversar sobre a história com todo mundo que se encontra, com o carteiro, com o bancário, com o jornaleiro, com os passageiros do trem. Buscar conselhos até na embalagem do chocolate. Falar do amor para que ele aumente ou para que diminua. Para que ele suma ou nos dê confiança de tomar atitudes improváveis e delicadas. Abrir-se. Expor-se de tal modo que não se pode retornar ao que julgávamos nossa vida, ao que acreditávamos nosso lar, ao que confiávamos como nossas convicções e nossa ordem. Como confessar uma paixão e depois fingir que isso não mexeu com a gente e retomar o trabalho e a disciplina dos dias como se fosse comum? Antes impessoal, o amor se agarra a um nome e não mais nos pertence. É irrecuperável porque depende de um sim ou de um não. Quando dito, irá embora sem acenar. Não descobriremos que estamos doentes, descobriremos que não temos cura. Amor não nos fortalece, enfraquece. Ficamos indigentes à espera de um beijo, de um telefonema, de uma mensagem. O amor muda o nosso passado. Sofreremos com a incerteza do que a pessoa dirá ou fará. Usam-se palavras emprestadas para não ser direto. Encontram-se motivos alheios à verdade para não se entregar. O amor não seria tão sério se não houvesse a possibilidade dele se converter em uma comédia. Mas a comédia não é levar um fora, comédia é a covardia de não se declarar e antecipar sozinho os risos que seriam bem melhores acompanhado. Fabrício Carpinejar

- Maybe-

Um pouco de poesia no final do dia. Você é - era- já não sei, minha paleta de cores, eu pintava a vida com sua cor favorita, e tudo ficava azul. E eu sempre estava com medo, e nunca fingi não estar. Nossa história - se é que posso falar assim - é um monólogo. Eu falo o que penso, eu falo o que sinto e você nada. Talvez só eu sinta e só eu pense em "nós", um sentimento só. Talvez só eu queira viver. E tudo gira em torno desse talvez, que acho, nunca virará uma certeza. Já diria Carpinejar "Duas perguntas não formam uma resposta". Se nós dois nos perguntamos "Será que é?" Nunca teremos a resposta, é ou não é. A vida é feita para ser vivida por quem aceita correr riscos, até estar certo e convicto. Arriscar é característica de quem tem fé. Um passo de fé, mesmo quando não vemos o que está à frente. Nada de mal pode nos esperar se só temos plantado amor. Talvez seja nossa hora de colher. Talvez juntos. Talvez.
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